"...porque lo nuestro es pensar de otro modo a lo impuesto, venimos a afirmar nuestras diferencias,
a defender nuestras propuestas y a expresar nuestras indignaciones.”
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FARIÑAS DULCE ALERTA PARA REGRESSÃO DO ESTADO DE DIREITO NO BRASIL

"Brasil vive um golpe em duas frentes, neoliberal e neoconservador em direção à austeridade econômica e ao autoritarismo político”
por Carol Proner
Maria José Fariñas Dulce, uma das grandes especialistas em sociologia jurídica ibero-americana, fala sobre o momento brasileiro. Professora catedrática em filosofia do direito na Universidade Carlos III em Madrid, especialista em temas de globalização econômica e direitos humanos, autora do livro editado pela Dykinson: Democracia y Pluralismo: Una Mirada Hacia La Emancipacion, Maria José Fariñas concede entrevista ao Instituto Joaquín Herrera Flores (IJHF-Brasil) e alerta para o avanço neoliberal e neoconservador nos processos de regressão de direitos no Brasil.
Conhecedora da realidade do país que visita com frequência como professora convidada de diversas universidades, Maria José Fariñas faz um alerta: “Brasil está vivendo tempos de (des)democratização da democracia, de involução institucional e de regressão do Estado de Direito. É um aviso aos navegantes”.
IJHF: Mesmo que o processo de impeachment contra Dilma Rousseff não tenha chegado ao fim, como você percebe o momento político que vive o Brasil?
MJF: Aqui da Espanha estamos observando a situação política no Brasil com muita preocupação por perceber a grave deterioração das instituições democráticas e a quebra do Estado de Direito. Os casos de corrupção generalizada parecem deixar de ser uma questão conjuntural para se converterem em um problema que coloca em risco grave a estrutura democrática da sociedade brasileira. Está em jogo a democracia, quer dizer, a inclusão de todos no processo de decisão política.
Isso ocorre até o ponto em que são os deputados os mais involucrados (com 53,7% dos 513 membros do Câmara dos Deputados, segundo dados de Transparência Brasil) em casos de corrupção, roubo, subornos, extorsão, contas em paraísos fiscais, ..., estes são os que votaram a favor do impeachment político contra a Presidente da República que até o momento não está acusada por nenhum caso de corrupção e sim por haver violado a legislação em relação às finanças públicas.
IJHF: Para além da questão do impeachment e da corrupção, é perceptível o papel que joga o judiciário nessa crise institucional?
MJF: Sim, parece que se produziu uma grave quebra do princípio de separação dos poderes como pilar básico do Estado de Direito. A judicialização da política, que vive o Brasil, está submetendo aos interesses privados especulativos o trabalho de um coletivo de pessoas muito importantes na estruturação social: os juízes. Não somente se viola a separação dos poderes, mas o que é mais grave, recai-se em uma falsa retórica da honratez política e da luta contra a corrupção sem preocupação com as causas realmente e sim com o objetivo de incidir sobre os resultados finais.
A causa é: o sistema política e econômico brasileiro está em ruinas, passa por seu pior momento. Existe uma crise institucional muito grave, parece ocorrer a cooptação das instituições democráticas aos interesses privados dos grandes poderes econômicos financeiros, um sequestro da vontade popular e uma restrição de direitos e liberdades que deveriam operar como limites ao poder.
Além disso, vejo que está ocorrendo a estratégia do caracol: os verdadeiros corruptos seguem impunes. E o principal problema social persiste e está inserido no próprio sistema político e econômico produtor de desigualdades de todo tipo. A questão, portanto, não está somente na ética individual. É o sistema que sustenta a corrupção. Enquanto não estiver claro que o objetivo último é a igualdade, os direitos sociais, o trabalho digno, ninguém vai lutar seriamente contra os delitos econômicos nem contra a corrupção política e a extorsão.
IJHF: Como você percebe a reação popular e o avanço do sentimento de intolerância e ódio social?
MJF: Sobreposta à judicialização da política e à cooptação das democracias pelos poderes econômico-financeiros, a desigualdade provocada pelo mesmo sistema cada vez é mais importante. Permanece aí e provoca ressentimento econômico na cidadania, algo que o discurso político neoconservador e autoritário sabe aproveitar muito bem para manipular a ira das pessoas. Coloca-se em funcionamento o que denomino “a política das vísceras”, aquela que não hesita em alimentar o medo, o ódio, o ressentimento entre os cidadãos, apelando aos supostos “valores tradicionais” como Deus, a família, a propriedade ... e desfocando totalmente a realidade.
Essa desfocagem não é inocente. Existe uma crise ética muito grave. E se instala na cidadania certa cultura da ilegalidade e da impunidade, quer dizer, cultura na qual “tudo vale” como meio de alcançar poder e dinheiro, a “lei do mais forte”, que efetivamente beneficia o mais forte. No momento Dilma é uma Presidente fraca, que teve que adotar medidas de austeridade econômica e está sendo utilizada como “bode expiatório” de um sistema em si mesmo corrompido e totalmente desestabilizado.
IJHF: O caso brasileiro tem o componente midiático que cumpre um papel central. Esse fato é perceptível aos seus olhos?
MJF: Sim, perfeitamente. No âmbito da imprensa a situação também parece difícil. Muitos jornalistas se vêm submetidos aos interesses especulativos e financeiros dos grandes criadores de opinião. Sem sombra de dúvidas muitos jornalistas têm dado uma contribuição individual honesta. Mas o problema não é individual, é coletivo, das redações. O discurso coletivo agora mesmo não ampara a sensação de orfandade na qual se encontram muitos profissionais do jornalismo na construção democrática da opinião pública, assim como também não ampara muitos juízes independentes e honrados que diariamente trabalham na construção democrática da sociedade justa.
IJHF: Como intelectual que circula em centros de pesquisa da América Latina, você vê semelhanças com o que ocorre no Brasil em outros lugares?
MJF: De certa forma sim. O pano de fundo do que está ocorrendo no Brasil e em alguns outros países latino-americanos é um golpe oligárquico ou assalto neoliberal no âmbito econômico ao mesmo tempo em que é um golpe neoconservador no âmbito político frente às instituições democráticas do Estado de Direito. A tendência, e já estamos vendo também na Europa, vai em direção à austeridade econômica e ao autoritarismo político e isso é o pior cenário possível para a democracia, a igualdade e os direitos. Um cenário que deixa os cidadãos órfãos dos vínculos democráticos de integração social e de emancipação fundamental, o trabalho, os direitos.
IJHF: As imagens das ruas tomadas em luta pela democracia podem significar alguma esperança frente à ofensiva neoliberal e neoconservadora?
MJF: Brasil está vivendo tempos de (des)democratização da democracia, de involução institucional e de regressão do Estado de Direito. É um aviso aos navegantes. Os cidadãos brasileiros estão nas ruas. São conscientes do que querem e de como querem articular a sociedade e, especialmente, não perdem o foco no objetivo final: a luta pela igualdade e a dignidade de todos. E se nem todos participam é a própria estrutura democrática que produz esse déficit. O momento é de luta, de tensão. É preciso construir hegemonia democrática frente à hegemonia neoliberal dos grandes poderes financeiros.
A tarefa não é fácil. Passa por uma opção política de estabelecer sistemas de regulação e controle político que sejam capazes de limitar os centros do poder coativo, tanto antigos como os novos polos de poder surgidos após a interrupção do processo de globalização. Por isso, os cidadãos devem ser conscientes de sua força mobilizadora porque não podem organizar uma sociedade prescindindo da moralidade cívica.
(Entrevista: Carol Proner. Instituto Joaquín Herrera Flores -IJHF-Brasil)
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